top of page

INTERPRETAÇÃO DO ART. 2º, INCISO X, DA LEI Nº 13.966/2019 (LEI DE FRANQUIAS) DEVER DE INFORMAÇÃO NA CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA (COF) REFERENTE A FRANQUEADOS E EX-FRANQUEADOS EM CONTEXTOS LITÍGIOS

  • Foto do escritor: Guilherme Vega
    Guilherme Vega
  • 16 de mai.
  • 14 min de leitura

 

1. Introdução: O Dever de Informação na Circular de Oferta de Franquia (COF) e a Finalidade do Art. 2º, X, da Lei de Franquias

A presente análise jurídica visa elucidar o alcance e as implicações do dever de informação imposto aos franqueadores pelo Art. 2º, inciso X, da Lei nº 13.966/2019, conhecida como a Nova Lei de Franquias. Especificamente, o foco recai sobre a obrigatoriedade de fornecer, na Circular de Oferta de Franquia (COF), uma relação completa de franqueados e ex-franqueados, notadamente quando existem situações litigiosas envolvendo tais partes.

A Lei nº 13.966/2019, ao suceder a legislação anterior, buscou intensificar o grau de transparência nas relações de franquia, estabelecendo a COF como o principal instrumento para a consecução desse objetivo. Este documento deve ser elaborado de forma criteriosa, com linguagem clara, concisa e, acima de tudo, completa, detalhando todos os aspectos relevantes do negócio franqueado. A finalidade primordial da COF é municiar o candidato a franqueado com um conjunto robusto de informações que lhe permitam tomar uma decisão de investimento consciente, mitigando assimetrias informacionais e fomentando um ambiente de negócios mais seguro e previsível. A falha na entrega tempestiva da COF ou a omissão de informações legalmente exigidas pode acarretar a anulabilidade do contrato de franquia, com a consequente devolução dos valores pagos pelo franqueado.

Nesse contexto, o Art. 2º, inciso X, da referida lei, desempenha um papel crucial. Ele determina que a COF deve conter a "relação completa de todos os franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores da rede e, também, dos que se desligaram nos últimos 24 (vinte e quatro) meses, com os respectivos nomes, endereços e telefones". A teleologia desta norma é permitir que o potencial investidor realize uma diligência própria (due diligence), contatando diretamente os integrantes e ex-integrantes da rede. Esse contato direto possibilita a obtenção de informações firsthand sobre a operação da franquia, a qualidade do suporte oferecido pelo franqueador, a veracidade das projeções financeiras e, de forma geral, a satisfação com o sistema de franquia.

É fundamental compreender que o Art. 2º, X, não se configura como uma exigência isolada, mas integra um plexo normativo concebido para assegurar a máxima transparência e proteção ao candidato a franqueado. A expressão "relação completa" deve ser interpretada sob a ótica da efetividade dessa transparência, de modo que a lista fornecida seja verdadeiramente útil ao propósito investigativo do candidato. A omissão de contextos relevantes, como a existência de litígios, mesmo que o dispositivo legal mencione apenas nome, endereço e telefone, poderia esvaziar o conteúdo útil da informação e comprometer a análise de risco pelo investidor.

2. Compreendendo o Termo "Desligaram" no Contexto da Lei de Franquias

A correta delimitação do termo "desligaram", empregado no Art. 2º, X, da Lei de Franquias, é essencial para o cumprimento da obrigação legal. Sob uma perspectiva literal, "desligar" denota a interrupção de um laço, a cessação de um vínculo ou conexão. Aplicado ao sistema de franchising, o termo refere-se, portanto, à extinção da relação contratual que une o franqueador ao franqueado.

Contudo, a interpretação não deve se ater unicamente à literalidade. A análise teleológica, que busca o fim social da norma, revela que o legislador visou proteger o candidato a franqueado, oferecendo-lhe um panorama abrangente e realista da rede. Isso inclui não apenas a identificação dos membros atuais, mas também um histórico da rotatividade e das circunstâncias que envolveram a saída de ex-membros. Assim, o conceito de "desligamento" abarca uma miríade de situações, tais como o término natural do prazo contratual, a rescisão por mútuo consentimento, a rescisão unilateral motivada por justa causa (seja por iniciativa do franqueador ou do franqueado) e, inclusive, a rescisão declarada em juízo. A quebra contratual decorrente da ausência de suporte adequado por parte da franqueadora, que culmina na rescisão do pacto, é um exemplo claro de evento que se enquadra como "desligamento".

A Nova Lei de Franquias, ao estender de 12 para 24 meses o período a ser considerado para a listagem dos ex-franqueados, sinalizou a intenção de prover ao candidato um histórico mais robusto e, por conseguinte, mais subsídios para sua decisão.

Surge, neste ponto, uma questão relevante acerca da necessidade de informar os "motivos de saída". O texto do Art. 2º, X, da Lei nº 13.966/2019, é específico ao elencar "nomes, endereços e telefones" como dados obrigatórios. Não obstante, algumas fontes e a própria lógica da transparência sugerem que a COF deveria, de alguma forma, contextualizar as saídas. Uma fonte indica que a COF deve conter os "Motivos de saída de franqueados nos últimos 24 meses".

Embora o dispositivo legal não imponha expressamente a descrição detalhada dos motivos na lista do inciso X, o princípio da boa-fé objetiva, que rege as relações contratuais (Art. 422 do Código Civil, aplicável subsidiariamente aos contratos de franquia), e a finalidade protetiva da Lei de Franquias militam contra uma interpretação que permita a ocultação de informações cruciais. A exigência de uma "relação completa" pode ser entendida como aquela que não apenas lista nomes, mas que também permite ao candidato, através do contato, inferir a natureza dessas saídas, especialmente se foram contenciosas. A omissão de que um desligamento foi litigioso, por exemplo, poderia induzir o candidato a erro sobre a saúde da rede. Não se trata de transformar a lista do inciso X em um relatório de litígios – para isso existe o inciso V do mesmo artigo – mas de assegurar que a "completude" da relação não seja meramente formal, mas substancialmente informativa.

 

 

3. Análise de Casos Hipotéticos e Práticos Envolvendo Ações Judiciais

A aplicação do conceito de "desligamento" e a consequente obrigação de listagem na COF tornam-se particularmente sensíveis quando há ações judiciais envolvendo franqueados ou ex-franqueados. Passa-se à análise dos cenários propostos:

3.1. Franqueados que Encerraram a Operação e Posteriormente Ingressaram com Ações Judiciais Contra a Franqueadora

Nesta hipótese, o franqueado cessou suas atividades comerciais sob a insígnia da franqueadora e, em momento ulterior, ajuizou uma demanda judicial para discutir responsabilidades ou as causas que levaram à rescisão contratual.

  • Caracterização como "Desligamento": Indubitavelmente, sim. O encerramento da operação da unidade franqueada, seguido pelo ingresso de uma ação judicial que versa sobre o término ou as consequências da relação contratual, configura de maneira inequívoca o "desligamento" da rede. A relação jurídica e operacional entre as partes foi rompida. A ação judicial, neste contexto, é uma decorrência ou uma formalização contenciosa desse rompimento já ocorrido no plano fático e/ou contratual.

  • Obrigatoriedade de Inclusão na Lista (Art. 2º, X): Sim, a inclusão deste ex-franqueado na lista daqueles que se desligaram nos últimos 24 meses é obrigatória, devendo constar seu nome, endereço e telefone. A lei é taxativa ao exigir a listagem dos "que se desligaram". A existência de um litígio subsequente ao encerramento das atividades é uma informação de extrema relevância, que o potencial franqueado tem o direito de apurar ao contatar o ex-membro da rede. A experiência de um ex-franqueado que não apenas encerrou sua operação, mas também sentiu a necessidade de recorrer ao Judiciário, pode ser um indicativo de problemas sistêmicos, contratuais ou de suporte na rede, sendo crucial para a análise de risco do candidato.

3.2. Franqueados com Operações Ativas que Ingressaram Judicialmente Pleiteando a Rescisão Contratual ou Discutindo a Continuidade do Contrato

Este cenário apresenta maior complexidade interpretativa. Trata-se de franqueado que mantém sua unidade em funcionamento, mas que, concomitantemente, move uma ação judicial contra o franqueador, objetivando a rescisão do contrato de franquia ou questionando aspectos essenciais para a sua continuidade.

  • Caracterização como "Desligamento":

  • Sob uma ótica estritamente literal, o "desligamento" ainda não se consumou, pois a operação permanece ativa e o contrato, embora sub judice, continua vigente.

  • Contudo, uma interpretação teleológica e protetiva, alinhada aos princípios da transparência e da boa-fé que norteiam a Lei de Franquias, conduz a uma conclusão diversa. O ajuizamento de uma ação judicial com o fito de rescindir o contrato é um ato formal e inequívoco que demonstra a intenção do franqueado de se desvincular da rede e a percepção de que a relação se tornou insustentável. Para fins de informação ao candidato, há um forte argumento para considerar que tal franqueado está em um processo avançado de "desligamento" ou, no mínimo, que sua situação é análoga à de um "desligado" em termos de relevância informativa. Uma análise sugere que a inclusão deste franqueado na lista do Art. 2º, X, da COF, acompanhada da devida ressalva sobre seu status operacional e a pendência da ação, "pode ser considerada prudente e alinhada com o espírito de transparência da lei".

  • Obrigatoriedade de Inclusão na Lista (Art. 2º, X):

  • Se adotada uma interpretação literal e restritiva do termo "desligaram" como um ato plenamente consumado, a obrigatoriedade de inclusão não seria tão explícita quanto no caso anterior.

  • Não obstante, a melhor prática jurídica, orientada pela busca da máxima transparência e pela mitigação de riscos de futuros questionamentos sobre a integridade da COF, recomenda fortemente a inclusão de tais franqueados na lista do Art. 2º, X. É crucial, nesses casos, adicionar uma observação clara e objetiva sobre o status do franqueado (e.g., "operação ativa, com ação judicial em curso visando à rescisão contratual").

  • É importante distinguir e, ao mesmo tempo, reconhecer a complementaridade entre o dever de informação previsto no inciso X e aquele estabelecido no Art. 2º, V, da Lei de Franquias. Este último exige a descrição, na COF, dos litígios judiciais que envolvam o franqueador, seus sócios controladores ou empresas controladoras, e que questionem o sistema de franquia ou que possam, direta ou indiretamente, comprometer a viabilidade da franquia. Enquanto o inciso V foca na informação sobre o processo em si e seus potenciais impactos sistêmicos, o inciso X visa fornecer os contatos da pessoa (franqueado ou ex-franqueado) para que o candidato possa colher sua experiência direta. A omissão, na lista do Art. 2º, X, de um franqueado que está ativamente buscando a rescisão judicial, poderia ser interpretada como uma tentativa de apresentar um cenário mais favorável da rede do que a realidade, mesmo que o litígio esteja mencionado no inciso V. A "prudência" referida anteriormente 6 é a diretriz mais segura.

3.3. Franqueados que Trocaram a Marca ou Bandeira, Deixando a Rede Original, Mesmo com Discussões Judiciais Pendentes

Este caso envolve franqueados que, embora possam ainda ter pendências judiciais com a franqueadora original (discutindo, por exemplo, cláusulas de não concorrência ou verbas rescisórias), efetivamente deixaram de operar sob a marca da franqueadora e passaram a atuar com marca própria ou de um concorrente (processo conhecido como "de-flagging").

  • Caracterização como "Desligamento": Sim, de forma clara e inequívoca. A troca de marca ou bandeira representa um rompimento fático e efetivo com a rede de franquia original. O franqueado, ao adotar outra identidade visual e, frequentemente, outro sistema operacional, desvinculou-se materialmente da franqueadora. Independentemente das discussões judiciais ainda em curso sobre responsabilidades contratuais pretéritas, o vínculo operacional e de identidade com a franqueadora original foi cessado. A mudança de bandeira, mesmo com processo pendente, caracteriza "desligamento".

  • Obrigatoriedade de Inclusão na Lista (Art. 2º, X): Sim, a inclusão na lista dos que se desligaram nos últimos 24 meses é obrigatória. O fato gerador da obrigação é o "desligamento" efetivo da rede, materializado pela mudança de bandeira. As pendências judiciais constituem informações adicionais relevantes que o candidato a franqueado poderá investigar ao contatar o ex-membro da rede. A ação de "de-flagging" é um ato de desvinculação tão ou mais contundente que o simples encerramento das portas, pois demonstra uma opção ativa do franqueado por sair da rede e, muitas vezes, por competir diretamente com ela.

Tabela Resumo – Obrigações de Listagem na COF (Art. 2º, X) para Franqueados em Situações Litigiosas

Para facilitar a compreensão e aplicação prática das conclusões expostas, apresenta-se a seguinte tabela resumo:

 

Descrição do Cenário

Caracteriza "Desligamento" para fins do Art. 2º, X?

Obrigatoriedade de Inclusão na Lista da COF (Art. 2º, X)?

Principal Fundamentação Jurídica / Referências Chave

1. Franqueado encerrou operações e, posteriormente, ingressou com ação judicial contra a franqueadora.

Sim

Sim

Cessação fática e contratual da relação; ; princípio da transparência.

2. Franqueado (com operações ativas) ingressou judicialmente pleiteando a rescisão contratual.

Interpretação teleológica: Sim (em processo de)

Recomendado/Prudente (com anotação sobre o status)

("prudente"); espírito de transparência; complementaridade com o Art. 2º, V; ato formal de intenção de desligamento.

3. Franqueado trocou a marca ou bandeira, mesmo com discussões judiciais pendentes com a antiga franqueadora.

Sim

Sim

Desligamento fático e efetivo da rede original; pendência judicial não suspende o fato do desligamento da rede.

 

4. A Questão da Arbitragem: Transparência (Art. 2º, X) versus Confidencialidade

A utilização da arbitragem como método de resolução de conflitos em contratos de franquia é uma prática crescente, validada pela Lei de Franquias (Art. 7º, §1º). Surge, então, o questionamento sobre como conciliar a obrigação de listagem de ex-franqueados prevista no Art. 2º, X, com a característica de confidencialidade frequentemente associada aos procedimentos arbitrais.

O Art. 2º, X, da Lei de Franquias não estabelece qualquer distinção quanto à forma pela qual o desligamento do franqueado ocorreu ou foi formalizado – seja por via judicial, extrajudicial ou arbitral. Portanto, se o "desligamento" ocorreu nos últimos 24 meses, a inclusão do ex-franqueado na lista da COF é, a princípio, obrigatória.

A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), por sua vez, permite que as partes convencionem a confidencialidade do procedimento, o que é um dos atrativos desse método alternativo de resolução de disputas. Existe uma discussão sobre a tensão entre a confidencialidade e a transparência, sendo que, para investimentos de curto prazo como os de franquia, pode-se esperar "aspectos da publicidade mais acentuados".

A harmonização dessas normas se dá ao se considerar o escopo de cada uma. A obrigação de listar nome, endereço e telefone do ex-franqueado, conforme o Art. 2º, X, não implica, por si só, a violação da confidencialidade do conteúdo do procedimento arbitral. A listagem apenas informa que determinada pessoa física ou jurídica foi franqueada e se desligou da rede. O dever de transparência imposto pela Lei de Franquias é uma norma de ordem pública, com o objetivo de proteger o mercado de franquias e os potenciais investidores. Uma cláusula de confidencialidade estipulada em um contrato privado, como o de franquia que contenha uma cláusula compromissória, dificilmente poderia se sobrepor a essa exigência legal específica de divulgação de informações básicas na COF.

A confidencialidade inerente à arbitragem resguarda os detalhes das alegações, as provas produzidas, as discussões travadas entre as partes e os fundamentos da sentença arbitral. A listagem exigida pelo Art. 2º, X, apenas identifica o ex-franqueado e fornece seus contatos. Caberá ao ex-franqueado, caso seja contatado por um candidato, decidir o que e como compartilhar de sua experiência, respeitando, evidentemente, eventuais termos de confidencialidade que tenha assinado quanto aos detalhes específicos do litígio. O franqueador, ao ser questionado por um candidato sobre um ex-franqueado cujo desligamento envolveu arbitragem, deve se limitar a confirmar o desligamento e, se for o caso, a existência de um termo de confidencialidade sobre os pormenores da disputa, sem revelar o conteúdo protegido.

Ademais, é imperativo que a própria COF informe, de maneira clara e destacada, sobre a existência de cláusula compromissória no contrato padrão de franquia, conforme preceitua o Art. 2º, XXIV, da Lei de Franquias, para que o candidato tenha ciência prévia da forma de resolução de conflitos adotada pela rede.

5. O "Promissário Franqueado": Distrato de Pré-Contrato e a Lista do Art. 2º, X

Outro ponto que suscita dúvidas refere-se à situação do "promissário franqueado", ou seja, aquele indivíduo que assinou um pré-contrato de franquia (ou instrumento similar, como uma carta de intenção ou reserva de área), efetuou o pagamento de taxas iniciais, mas que, por algum motivo, desfez o ajuste (distrato) antes da celebração do contrato de franquia definitivo ou do início efetivo da operação da unidade.

A Lei de Franquias, em seu Art. 2º, X, utiliza especificamente o termo "franqueados" ao se referir àqueles que se desligaram. Um promissário franqueado que desiste da avença antes de se tornar um franqueado pleno – ou seja, antes de ter um contrato de franquia definitivo assinado e, usualmente, antes de iniciar a operação ou estar em fase de implantação avançada – não se amolda, em regra, à definição estrita de "franqueado que se desligou". O desligamento, nesse caso, ocorre em relação a um vínculo pré-contratual, e a pessoa não chegou a acumular a experiência como "franqueado" da rede, que é justamente o que a lista do Art. 2º, X, visa permitir que seja investigado pelo candidato. A discussão sobre anulação de contrato ou pré-contrato por falhas na COF, com devolução de taxas, refere-se ao rompimento desse vínculo preliminar, não necessariamente ao desligamento de um "franqueado" da rede no sentido pleno do termo.

Assim, em princípio, não há obrigatoriedade de inclusão de promissários franqueados que distrataram o pré-contrato na lista do Art. 2º, X. O objetivo da norma é permitir o contato com quem efetivamente vivenciou (ou esteve contratualmente vinculado de forma definitiva a vivenciar) a operação e a relação de franquia. A experiência de um promissário que desistiu em etapa preliminar é distinta e não reflete o dia a dia da operação franqueada.

Contudo, algumas ressalvas são pertinentes. Se o instrumento denominado "pré-contrato" possuir, na realidade, a natureza jurídica de um contrato de franquia definitivo, apenas com nomenclatura diversa, a situação se altera, e o distrato configuraria um desligamento de franqueado. Adicionalmente, se houver um número expressivo e incomum de distratos de pré-contratos, especialmente se decorrentes de problemas imputáveis ao franqueador (como informações falsas na COF ou incapacidade de prestar o suporte prometido na fase de implantação), a omissão completa dessa informação, dependendo do contexto e da gravidade, poderia ser questionada sob o prisma da boa-fé objetiva e do dever geral de transparência. Tais situações, se gerarem litígios, poderiam inclusive ser relevantes para a informação requerida pelo Art. 2º, V (litígios que afetam o sistema).

6. Recomendações Práticas para Franqueadoras

Para assegurar o cumprimento estrito da Lei de Franquias e mitigar riscos jurídicos, as franqueadoras devem adotar as seguintes práticas em relação à elaboração da lista de franqueados e ex-franqueados na COF:

  • Manutenção de Registros Precisos e Atualizados: É fundamental manter um controle rigoroso e atualizado de todos os franqueados ativos, subfranqueados e subfranqueadores, bem como daqueles que se desligaram da rede nos últimos 24 meses. Esses registros devem incluir, no mínimo, os nomes completos, endereços e telefones, além das datas de ingresso e desligamento.

  • Interpretação Ampla em Favor da Transparência: Diante de situações dúbias, como a do franqueado com operação ativa que pleiteia judicialmente a rescisão contratual, a postura mais segura e consentânea com o espírito da lei é optar pela inclusão na lista do Art. 2º, X. É preferível pecar pelo excesso de informação transparente do que pela omissão que possa ser posteriormente questionada.

  • Clareza e Objetividade nas Anotações: Ao listar franqueados em situações litigiosas, especialmente aqueles ainda ativos que buscam a rescisão, é recomendável adicionar uma breve anotação factual e objetiva sobre a situação (e.g., "Unidade em operação; ação judicial para rescisão contratual em trâmite, ajuizada em [data]"). Isso contextualiza a informação sem adentrar no mérito da disputa.

  • Consistência Interna da COF: As informações constantes na lista do Art. 2º, X, devem ser consistentes com outras seções da COF, em particular com a relação de litígios judiciais e arbitrais exigida pelo Art. 2º, V, e com as informações sobre a existência de cláusula compromissória (Art. 2º, XXIV).

  • Consultoria Jurídica Especializada e Contínua: É imprescindível contar com o suporte de assessoria jurídica especializada em Direito de Franquias para a elaboração e revisão periódica da COF. Profissionais da área podem auxiliar na correta interpretação da legislação, na adaptação às novas tendências jurisprudenciais e na implementação das melhores práticas de divulgação.

  • Preparação para Questionamentos sobre Motivos de Saída: Embora o Art. 2º, X, não exija textualmente a descrição dos motivos do desligamento na própria lista, a franqueadora deve estar preparada para que essa pergunta surja por parte dos candidatos. Mais importante, a lista deve ser elaborada de forma a permitir que o candidato, ao contatar os ex-membros, possa descobrir contextos litigiosos ou problemáticos. A franqueadora não deve, sob nenhuma hipótese, buscar ativamente ocultar a natureza contenciosa de um desligamento.

A COF transcende a mera obrigação legal; ela é uma ferramenta de gestão de risco e de construção de confiança. Uma COF transparente, completa e que antecipa as preocupações legítimas dos candidatos a franqueado tende a reduzir a probabilidade de litígios futuros baseados em alegações de omissão, informação falsa ou enganosa, contribuindo para a formação de uma rede mais sólida e com relações mais saudáveis.

 

7. Conclusão: Assegurando a Segurança Jurídica e Clareza nas Divulgações da COF

A análise do Art. 2º, inciso X, da Lei nº 13.966/2019, revela a intenção do legislador em fortalecer o princípio da transparência nas relações de franquia, conferindo ao candidato a franqueado instrumentos para uma tomada de decisão mais informada e segura.

As conclusões centrais deste parecer podem ser assim sintetizadas:

  • O termo "desligaram" deve ser interpretado de forma a abranger todas as formas de cessação do vínculo contratual de franquia, incluindo rescisões litigiosas e mudanças de bandeira, ocorridas nos 24 meses anteriores à entrega da COF.

  • Franqueados que encerraram suas operações e posteriormente ajuizaram ações contra a franqueadora devem, obrigatoriamente, constar na lista do Art. 2º, X.

  • Franqueados que, embora mantenham suas operações ativas, ingressaram com ações judiciais pleiteando a rescisão contratual, devem, por prudência e em respeito ao princípio da máxima transparência, ser incluídos na referida lista, com anotação sobre seu status.

  • Franqueados que efetivamente trocaram de marca ou bandeira, mesmo com discussões judiciais pendentes com a antiga franqueadora, caracterizam-se como desligados e devem ser listados.

  • A confidencialidade inerente aos procedimentos arbitrais não exime o franqueador de listar o ex-franqueado (com nome, endereço e telefone) se o desligamento ocorreu por essa via, pois tal listagem não revela o conteúdo sigiloso da arbitragem.

  • Promissários franqueados que distratam o pré-contrato antes de se tornarem franqueados plenos, em regra, não se enquadram na categoria de "franqueados que se desligaram" para os fins do Art. 2º, X.

Em todas as situações, a prevalência do princípio da transparência deve nortear a conduta do franqueador. A boa-fé objetiva, tanto na fase pré-contratual quanto na execução do contrato, exige uma postura leal e informativa. O cumprimento rigoroso das disposições da Lei de Franquias, especialmente no que tange à completude e veracidade das informações prestadas na Circular de Oferta de Franquia, é fundamental não apenas para a segurança jurídica do franqueador, mas também para a higidez e o desenvolvimento sustentável de todo o sistema de franchising no Brasil. A adoção das práticas recomendadas e uma interpretação das normas que privilegie a clareza e a proteção do candidato são os melhores caminhos para evitar futuras discussões administrativas ou judiciais e para fomentar relações de franquia mais equilibradas e bem-sucedidas.


Por: Guilherme Vega

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Copyright © 2019 Alexandre David Advogados.

Todos os direitos reservados. 

Siga a gente:

  • White Facebook Icon
  • Branca Ícone LinkedIn
  • White Instagram Icon

Fornecedor Associado:

ABF_HORIZONTAL-300_100.png

Selo Franchising Partner:

Franchising Partner-01.png
bottom of page