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Contrato de Franquia: pode ser efetuado o protesto dos boletos de Royalties ou Fundo de Publicidade e Propaganda? - Por Julia Marchezzi Raya

O Contrato de Franquia é formalizado conforme as disposições da Lei de Franquias, nº 13.966/19, e envolve em regra duas partes, a saber, o Franqueador e o Franqueado, de modo que consiste em um documento regulamentado por cláusulas que definem direitos e responsabilidades para ambas. A título de esclarecimento, o Franqueador detém a marca e o modelo de negócio, ao passo que o Franqueado é a pessoa jurídica que adquire o direito de operar uma unidade franqueada.







Dentre as obrigações estabelecidas para o Franqueados, têm-se as obrigações financeiras, as quais são assumidas pelos Franqueados, tais como, Taxa Inicial de Franquia, Taxa de Royalties e Taxa de Fundo de Publicidade e Propaganda, de modo que são verbas comuns no sistema de Franquia, conforme se observa:

 

“Em que pese não ser obrigatória a sua cobrança, a maioria das redes de franquia adotam o royalty, em diversas modalidades, como a principal fonte de remuneração dos franqueadores. A palavra “royalty” é originalmente inglesa e derivada do termo “royal”, que significa algo de propriedade e/ou de direito do rei e da realeza. Conforme relatos históricos, os royalties eram as importâncias pagas pelos súditos aos reis ou a nobreza, em contrapartida pelo uso de seus bens, tais como, pontes e moinhos, ou em razão da extração de recursos naturais em suas terras, como, por exemplo, caça, pesca, madeira, água, entre outros. De acordo com a Lei de Franquia Brasileira (Lei 8.955/94), os royalties são definidos como sendo a remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado”.[1]

 

Ao contrário do esperado, é comum que os Franqueados atrasem os pagamentos mensais, tornando-se inadimplentes perante a Franqueadora. Nestes casos, quando necessário o envolvimento do time jurídico, ação corriqueira e prevista na grande maioria dos Contratos de Franquia, é a elaboração e o envio de uma Notificação Extrajudicial, momento em que os Franqueados são constituídos em mora.


Após o recebimento desta Notificação Extrajudicial, que visa a solução amigável da situação, é possível que os Franqueados permaneçam inertes, sem qualquer manifestação sobre o documento recepcionado, o que consequentemente, perpetua a inadimplência financeira.


É diante dessa situação que as Franqueadoras se perguntam: “E agora?”.


No direito brasileiro existe a possibilidade de protestar dívidas, de modo que não raro, o questionamento das empresas franqueadoras diante do recorrente inadimplemento dos franqueados é: “Podemos protestar os boletos devidos em decorrência da taxa royalties ou taxa de fundo de publicidade e propaganda?”.


Para que seja possível responder à questão acima elencada, necessário entendermos o que, de fato, é o protesto e quando ele pode ocorrer:


O protesto de título executivo extrajudicial representa um ato público e extrajudicial, realizado por um tabelião que detém fé pública – uma ação legal realizada por um tabelião que tem autoridade para autenticar documentos legais – contratos e declarações, já que possui fé pública, garante a autenticidade desses documentos, conferindo-lhes validade legal, de modo que este procedimento ocorre quando uma pessoa física ou jurídica deixa de efetuar o pagamento de um título dentro do prazo estabelecido, e o credor registra essa inadimplência em um cartório.


Desse modo, precisamos esclarecer que, pela lei brasileira, são passíveis de protesto os títulos executivos, no caso em questão, extrajudiciais. Neste sentido, os títulos executivos são aqueles que possuem certeza, liquidez e exigibilidade e somente com estes três requisitos é que ele pode ser protestado.       


Melhor explicando:


A certeza é quando não existem dúvidas sobre a existência da dívida, comprovando a materialidade do crédito.  Refere-se à comprovação inquestionável da existência da dívida. Um título é certo quando deixa claro quem é o devedor, qual é o valor da dívida e, em alguns casos, a natureza da obrigação. Isso significa que o documento deve ser claro o suficiente para que não haja dúvidas sobre a obrigação que ele representa.


A liquidez consiste na descrição exata e certa do valor, que não pode ser de forma aproximada ou incerta. Um título é líquido quando especifica o montante preciso a ser pago, sem necessidade de cálculos ou interpretações adicionais. A liquidez permite que tanto o credor quanto o devedor e o judiciário saibam exatamente qual é o montante envolvido na execução.


Por fim, a exigibilidade relaciona-se com a possibilidade de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação. Um título é exigível quando a obrigação nele contida pode ser imediatamente demandada, ou seja, não há mais discussão sobre a existência, a liquidez ou a atualidade do direito, permitindo que o credor acione o judiciário para cobrar a dívida.


Passada esta explicação inicial, voltemos aos Contratos de Franquia.


Por uma aparente prática de mercado, os Contratos de Franquia preveem, quase sempre, que o pagamento dos valores a título de royalties e/ou fundo de publicidade e propaganda ocorra com base no faturamento bruto mensal da unidade, ou seja, um percentual do faturamento bruto mensal da unidade será cobrada periodicamente dos Franqueados. Assim, a cobrança com base no percentual não permite que o valor do débito seja líquido, pois não consiste em um valor exato ou determinado, uma vez que, exige um cálculo próprio.


Este é o entendimento da jurisprudência brasileira:

 

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FCVS. COBERTURA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TERMO INICIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. NECESSIDADE DE REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SUMULAS 5 E 7 DO STJ. APLICAÇÃO. 1. A parte agravante sustenta que a irresignação diz respeito apenas ao prazo prescricional e a seu termo inicial. Afirma que, em razão da iliquidez e incerteza do valor perseguido, o Tribunal de origem deveria ter aplicado o prazo prescricional de 10 anos, previsto no artigo 205 do CC. Salienta ainda que "(...) não se trata de cobrança de dívida líquida constante de instrumento público ou particular, e sim de valores apurados a partir da quitação do contrato de financiamento habitacional pelo mutuário. A principal atribuição do FCVS é garantir a quitação, junto aos agentes financeiros, dos saldos devedores remanescentes dos contratos de financiamento habitacional firmados com mutuários finais do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), em relação aos quais tenha havido, quando devida, contribuição ao FCVS. Daí resulta que não se trata de cobrança de valor líquido e certo, e sim de valor a ser apurado caso a caso, a partir da análise da evolução dos contratos." Ademais, manifesta a posição do STJ sobre o tema, alegando que (fl. 796, e-STJ):"não se pode negar que a Súmula 278/STJ reconhece que o lapso prescricional só se dá a partir da ciência inequívoca da violação do direito (Súmula 278:"O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral"). 2. Nestes termos, verifica-se que o debate processual se esteia em cláusula contratual firmada em contrato de financiamento habitacional, e que o enfrentamento do tema, no STJ, acarretaria revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, providência vedada ao Recurso Especial, nos termos das Súmulas 5 e 7 do STJ, respectivamente. 3. Além do mais, não se observa pela leitura do acórdão que julgou a Apelação que o Tribunal de origem tenha dirimido a controvérsia levando em consideração a tese apresentada pelo agravante. É inadmissível Recurso Especial quanto à questão inapreciada pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios. Incidência da Súmula 211/STJ. 4. Agravo Interno não provido.”
(STJ - AgInt no AREsp: 1674251 RS 2020/0052179-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/12/2020, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2020)

 

“Sociedade. Ação monitória. Sociedade em conta de participação. Encerramento. Sócios que se obrigaram ao pagamento da dívida social por ocasião do encerramento da sociedade. Pedido monitório para cobrança de valor líquido presente em contrato. Prescrição quinquenal não consumada. Liquidez da dívida. Petição inicial apta. Legitimidade da sociedade-autora que, além de ter firmado o ajuste, também tem interesse no pagamento da dívida social. Preliminares afastadas. Impugnação ao valor da dívida. Qualquer impugnação dos réus ao cálculo apresentado restou prejudicada pela assunção deles ao pagamento desta quantia por ocasião da assinatura do ajuste. Valor que sofreu apenas atualização monetária e aplicação de juros de mora. Juros de mora que, no entanto, incidem somente a partir da citação, nos termos dos arts. 405 e 406 do CC e do art. 219 do CPC/1973. Sentença reformada em mínima parte. Recurso parcialmente provido.”
(TJ-SP 10583177720148260100 SP 1058317-77.2014.8.26.0100, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 26/07/2018, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 26/07/2018)

 

Não diferente, ao analisarmos os boletos de cobrança de royalties ou fundo de publicidade e propaganda, notamos que não contém a exigibilidade necessária, uma vez que não foi assinado por ambas as partes e nem pelas testemunhas, tampouco existe atrelado aos boletos o comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação de serviço, já que decorrem dos Contratos de Franquia.


Dessa forma, os documentos descritos não possuem todas as características necessárias para serem considerados títulos executivos extrajudiciais e, por esta razão, conclui-se que a resposta para as Franqueadoras é: via de regra, o protesto consiste na via equivocada para buscar o pagamento dos valores devidos a título de taxa de royalties ou taxa de fundo de publicidade e propaganda, caso estipulados nessas condições.


Diante do exposto, importante elencar porque, apesar de não ser a medida técnica indicada ao caso, as Franqueadoras conseguem protestar estes boletos. E por qual razão? Muito simples a resposta, os cartórios e os bancos protestam os valores com base nos documentos que lhe são apresentados, mas existe a previsão de que a responsabilidade por garantir que seja um protesto válido é do credor.


Esta responsabilidade é formalizada com a assinatura dos documentos com o banco, de modo que comum que as Franqueadoras não saibam que estão assumindo esta responsabilidade e acreditam que, por ter sido possível o protesto, estão atuando dentro das conformidades legais.


Assim, quando o protesto é realizado, a Franqueadora possui a responsabilidade de comprovar a legalidade do lastro documental (conjunto de documentos que servem de base), mas como explicado neste artigo, não conseguirá seguir com esta obrigação, uma vez que o protesto foi realizado com base em um documento que não é um título executivo extrajudicial, ou seja, inapto para o protesto e, além disso, mesmo que seja possível efetuar, tecnicamente é possível derrubá-lo, por não ser a forma correta.

Como muitas empresas encaram o protesto como a maneira mais eficaz de sanar o inadimplemento financeiro, será que vale a pena correr o risco e protestar os boletos devidos em razão da taxa de royalties e taxa de fundo de publicidade e propaganda?


Pois bem.


O grande risco que a Franqueadora enfrenta nesta situação é sofrer uma obrigação, tendo em vista que o protesto indevido pode gerar complicações para os franqueados, permitindo que eles busquem danos morais e materiais para sanar o erro.     

Este é o entendimento da jurisprudência brasileira:

 

“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. REEXAME FÁTICO DOS AUTOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. PROTESTO INDEVIDO. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL IN RE IPSA. 1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 2. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral configura-se in re ipsa, ou seja, prescinde de prova. 3. Agravo interno a que se nega provimento.”
(STJ - AgInt no AREsp: 1838091 RJ 2021/0041393-2, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 29/11/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2021)

 

Exemplificamos. Se um Franqueado estiver com o boleto em aberto protestado e buscar realizar um empréstimo bancário, provavelmente terá seu requerimento negado perante a instituição financeira e, com isso, ele irá analisar se o protesto decorre de um documento válido, já que sua imagem está sendo prejudicada, bem como está criando empecilhos para sua esfera financeira.


Ora, se o Franqueado está com uma negativa em seu nome no banco por razões indevidas, certamente irá buscar a indenização correspondente, neste momento, a Franqueadora enfrentará um risco, pois será possível a busca de indenização material e moral pelo Franqueado.


Em outras palavras, além de não receber aquilo que lhe é devido, corre o risco de indenizar o devedor.


Mas então, estamos neste artigo defendendo que a Franqueadora está de mãos atadas?


Não.


Os valores das taxas cobradas mensalmente foram acordados entre as partes e as empresas franqueadoras possuem o direito de recebê-las!


São inúmeras as hipóteses de recuperação deste crédito, tem-se duas soluções em destaque, mas ambas passam pela via judicial. Como abordado de forma reiterada, os boletos da taxa de fundo de publicidade e propaganda não são títulos executivos extrajudiciais, mas podem serem declarados títulos executivos judiciais.


Para tanto, necessário o ingresso de uma ação judicial, momento em que os valores serão cobrados e comprovada o lastro documental com o Contrato de Franquia devidamente assinado, o juiz poderá declarar o documento passível de cobrança e, portanto, um título executivo judicial.


Outro caminho comum, mas que encontra maiores obstáculos pelos Franqueados, é a assinatura de um IPCD - Instrumento Particular de Confissão de Dívidas, um documento em que as partes elencam os valores devidos e sua efetiva forma de pagamento, de modo que o Franqueado assume sua dívida, a qual é considerada título executivo extrajudicial com base no artigo 784, inciso III do Código de Processo Civil.


Neste IPCD, os valores que outrora não possuíam os requisitos para o protesto, receberão nova roupagem, uma vez que, nesta confissão serão descritos como certos, pois já apurado o porcentual previsto no Contrato de Franquia e, ainda, será um documento assinado pelas partes, bem como por duas testemunhas, conforme prevê o artigo 784 do CPC. Ou seja, diante de todo o explicado neste artigo, possível notar que a Confissão de Dívidas consistem em um titulo que pode ser executado. Portanto, sempre importante que as Franqueadoras busquem formalizar a Confissão de Dívidas, uma vez que este documento permitirá de forma mais célere a busca pela pretensão de receber os valores devidos.


Sandas todas as possibilidades em relação ao protesto dos boletos derivados das taxas de royalties e das taxas de fundo de publicidade e propaganda, concluímos este artigo com a clara resposta de que o protesto pode ser adotado, mas de forma responsável e com análise jurídica adequada, visto que, a ausência de cuidados essenciais pode prejudicar a própria Franqueadora e favorecer o devedor.



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Julia Marchezzi Raya - Advogada é Advogada na Alexandre David Advogados e graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 

Atua há mais de 3 anos nas áreas de Direito Processual Civil, Empresarial e Direito do Consumidor, com foco no contencioso.

 

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